VIDAS PANTANEIRAS IMPORTAM
No dia 31 de março se encerra o prazo de apresentação de projetos a serem financiados pelo PAC Saúde 2025, do Ministério da Saúde, e os usuários do SUS do Pantanal de Corumbá (indígenas, pescadores e moradores ribeirinhos) foram até a prefeitura reivindicar do gestor municipal a adesão para garantir assistência em saúde a toda a região pantaneira, considerada “vazio assistencial” desde a criação do SUS, em 1990.
Na manhã de 25 de março, data histórica em que se registra a promulgação da primeira constituição brasileira, em 1824, integrantes de duas comunidades indígenas Guató (da Aldeia Uberaba e da Barra de São Lourenço) foram até o Paço Municipal para levar a sua preocupação ao prefeito de Corumbá. Dois caciques, Negré Guató e Severo Ferreira, e a cacica honorária Dalva Ferreira lideraram a comitiva, de aproximadamente 20 pessoas, desde adolescentes até idosos, em sua maioria vindos do Pantanal.
Dona Dalva Ferreira, do alto de seus 82 anos, afirmou que o barco que realiza o projeto “Povo das Águas” há mais de 15 anos nunca chegou à Aldeia Uberaba para assistir sua comunidade, com mais de 60 famílias. O que foi corroborado pelo cacique Negré, da Barra de São Lourenço, que revelou que o projeto assiste sua comunidade de três em três meses, e não mensalmente — isso quando o rio está navegável e não é ano eleitoral, pois é proibida pela Justiça Eleitoral a chegada desse tipo de ação social às comunidades no período pré-eleitoral.
Um morador Guató da Barra de São Lourenço que veio com esposa e filhos a Corumbá a fim de tratar da saúde dos seus revelou que o custo individual da viagem de lancha a Corumbá não fica por menos de 250 reais, inclusive crianças, a menos que o piloteiro queira fazer desconto para as crianças, valor próximo ao da passagem da empresa que monopoliza o transporte de passageiros entre Corumbá e a capital.
Como moram na área rural, eles ainda enfrentam a burocracia na rede assistencial do SUS: por não morar no perímetro urbano, muitas vezes são deixados para depois, seja nas UBS de suas famílias na cidade ou até no Centro de Especialidades Médicas (CEM), chegando a perder a consulta pretendida. Adianta ter o “Povo das Águas” quatro vezes ao ano, na melhor das hipóteses, quando o procedimento feito pelo médico que pega carona no barco não vale para o agendamento da rede SUS na cidade?
“INÍCIO DO DIÁLOGO”
Aglomerados no estacionamento do Paço Municipal no início da manhã, os participantes do ato ‘Assina, Prefeito!’ fizeram uma pequena manifestação até a chegada de emissário do prefeito, que, segundo sua assessoria, estava fora atendendo uma comitiva do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Não demorou muito e o Secretário de Governo e Projetos Estratégicos Marcos de Souza Martins, popular Marquinhos, recebeu cordialmente toda a comitiva. Ex-vereador de quatro mandatos, o ex-dirigente do PT tem uma trajetória de 40 anos de vida pública, só não conseguiu trazer um assessor da Secretaria Municipal de Saúde para ouvir, como ele ouviu, todas as demandas das comunidades Guató.
Em nome do Prefeito Gabriel Alves de Oliveira, o Secretário Marquinhos Martins disse com todas as letras que a atual gestão municipal, apesar do legado da administração anterior de inadimplência e falta de credibilidade junto às instituições financeiras e órgãos federais, fará de tudo para não perder essa oportunidade histórica, de prover as populações originárias e tradicionais de equipamentos e serviços do SUS. Afirmou que o prefeito, que é médico, irá ao encontro dos Guató, bem como da comissão de usuários do SUS que deu apoio à população legitimamente pantaneira para assegurar um direito líquido e certo.
O Movimento Efetiva SUS Pantanal, no ato ‘Assina, Prefeito!’, teve fundamental apoio do Sindicato Municipal dos Trabalhadores em Educação de Corumbá (SIMTED). Também participaram o Observatório da Cidadania Dom José Alves da Costa e o Pacto pela Cidadania, espaços públicos que tentam suprir o Fórum Permanente de Entidades Não Governamentais de Corumbá e Ladário Padre Ernesto Saksida (FORUMCORLAD), que em 2012 entrou em inatividade. Desde novembro entidades e espaços públicos não estatais vêm acompanhando as idas e vindas com que equipamentos e serviços do SUS têm sido tratados, como a Ambulancha do SAMU, a Unidade Básica de Saúde (UBS) Fluvial, o Hospital Universitário de Corumbá e o Centro de Farmacologia e Farmacognosia Fitoterápica do Pantanal.
Além do começo de um diálogo incipiente com o gestor municipal, aos “45 minutos do segundo tempo”, foi mantido estreito contato com o Ministério Público Federal a fim de assegurar que essas benfeitorias não se percam. Muitas vidas já temos perdido neste Pantanalzão de meu Deus. Desde a instalação da capital de Mato Grosso do Sul, em 1979, o Pantanal só vem acumulando perdas inestimáveis. É hora de reverter essa falta de lógica: Pantanal não é “quase prioridade”, nem “pedaço” — chega de “pan”, queremos plenitude! —, porque o Pantanal é inteiro e para todos (não para alguns, aos pedaços) e, como o SUS, é Patrimônio do Povo Brasileiro. Mais, é Patrimônio da Humanidade.
Até quando vamos continuar a perder vidas no Pantanal? Ou a Vida dos Guató e demais moradores ribeirinhos vale menos que a dos moradores da cidade? Isso está em qual lei? E o respeito pela dignidade humana que a Constituição Federal de 1988 preconiza, como fica? Afinal, Vidas pantaneiras importam.
Encontros em MS e lançamento do Comitê pró-UFPantanal
Quinta, dia 3, às 19 horas, no campus da UEMS de Campo Grande, e sexta, dia 4, às 18 horas, no Moinho Cultural, em Corumbá, serão feitos encontros para iniciar o processo de construção participativa da Universidade Federal do Pantanal, com base na tríade inovação-inclusão-integração.
O mês de abril, que abre a fecunda estação primaveril no Hemisfério Sul, inicia com dois encontros da cidadania relativos à criação da UFPantanal (Universidade Federal do Pantanal): quinta, dia 3, às 19 horas, na UEMS de Campo Grande (Avenida Dom Antônio Barbosa, 4155, vila Santo Amaro), e sexta, dia 4, às 18 horas, no Moinho Cultural, Porto Geral, em Corumbá. Na capital, o evento é uma parceria do Movimento UFPantanal com o Instituto Cultural Gilberto Luiz Alves; no Coração do Pantanal e da América do Sul, a iniciativa é do Movimento UFPantanal com o Ponto de Cultura Moinho Cultural. Ao final do encontro em Corumbá, um lual com um grupo musical dará as boas-vindas aos participantes e sobretudo ao novo tempo que é reservado para Corumbá e o Pantanal.
Para cumprir extensa agenda nos dias 2 e 3 de abril na capital, uma comitiva estará em Campo Grande, em diferentes instituições que agendaram reuniões de trabalho e troca de informações e apoio. A receptividade no estado é tal, que Dourados e Três Lagoas se farão representar por pesquisadores e docentes universitários, alguns já aposentados. Da mesma forma, em Corumbá estão agendadas reuniões setoriais com os diferentes segmentos sociais, culturais, econômicos e políticos em dias subsequentes ao encontro a ser realizado no Moinho Cultural com representantes da esfera federal.
O projeto da UFPantanal, segundo assessores do Ministério do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, é tido como referência para as futuras universidades-bioma, que em coordenação com a Secretaria-Geral da Presidência serão as escolhidas para a série de novas instituições universitárias a serem criadas pelo Presidente Lula em seu terceiro mandato presidencial. Entretanto, a UFPantanal, além de pioneira nessa característica inovadora, tem o Espaço Comum de Educação (inspirado no modelo do Presidente Pepe Mujica no Uruguai) como peculiaridade. Essa condição é que permitirá ao estudante da futura universidade federal sediada em Corumbá ser habilitado profissionalmente tanto no Brasil quanto na Bolívia (e, se o governo do Paraguai se abrir para essa perspectiva, o mesmo ocorrerá em relação ao país platino).
Nessa oportunidade, no encontro de Corumbá, será anunciado o Comitê pró-criação da UFPantanal, com membros oriundos dos mais variados segmentos sociais, culturais, econômicos e políticos. Constituído por cidadãos engajados com a nova universidade, o Comitê desempenhará papel relevante, sobretudo na articulação com as instituições locais, estaduais, federais e internacionais, sem subalternizar o Movimento UFPantanal, o qual continuará a manter a interlocução com a sociedade nos mais variados aspectos, com proatividade e mobilização.
A mesma proatividade (além da resiliência) permitiu que o projeto fosse construído sem atropelo, sobretudo de forma inovadora, inclusiva e integradora, de modo que, ao ser anunciada a etapa das legítimas contribuições vindas dos vários segmentos sociais constitutivos da região e do país, se tratará de um projeto consistente e robusto, livre de qualquer estigma e resquício excludente. O projeto é fruto de um trabalho coletivo silencioso, graças à competência de pesquisadores e docentes que recolhidos no sábio anonimato e com muita humildade estarão entregando à sociedade um documento que norteará novos paradigmas de instituições de ensino, pesquisa, extensão e inovação.
Por enquanto, agradecemos a todas e todos pela generosidade, confiança, apoio e, em especial, solidariedade. Todos os interlocutores do Movimento UFPantanal, humilde e irmãmente, foram, estão sendo e serão ouvidos em todo o processo. O Movimento UFPantanal não se esvairá nem arrefecerá sua capacidade de esperançar, em tempos de tamanha adversidade, em que este fruto pródigo é do tamanho, da dimensão, do povo brasileiro, que não admite a deslealdade nem normaliza a cobiça.
Ao darmos as boas-vindas aos integrantes do Comitê Pró-UFPantanal, manifestamos nossa gratidão àquelas e àqueles que somam.
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