A FARRA DOS PENDURICALHOS E A LEI DO “VALE MAIS QUEM PODE”
Enquanto o Brasil enfrenta o pesadelo cotidiano de filas no SUS, boletos atrasados e refeições que já começam a incluir mais imaginação que proteína, uma elite bem-aventurada desfila com seus supersalários recheados de penduricalhos. Sim, senhoras e senhores, na pátria amada que não abandona seus filhos — mas adota com carinho especial os abonados — a conta de R$ 13,36 bilhões só em 2023 pesa diretamente no bolso daqueles que, com sorte, ganham em um ano o que um magistrado médio embolsa em um mês.
E não, não é piada. É um caso clássico de realidade que parece roteiro de humor ácido. Segundo dados do Movimento Pessoas à Frente, 93% dos magistrados brasileiros em 2023 receberam acima do teto constitucional. Isso mesmo: a lei do teto salarial, que deveria proteger a moralidade pública, vira sombrinha de verão quando o céu fica dourado para os sortudos do Judiciário.
O Legislativo, é verdade, apresenta números mais modestos — 0,7% dos servidores da Câmara dos Deputados extrapolaram o teto. No Executivo, a proporção é ainda menor, com 0,14% entre civis e militares. Mas não se enganem: no geral, quem está acima da linha de proteção salarial parece mais interessado em abrir caixas de maldades do que em fechar os cofres escancarados dos supersalários.
E os efeitos disso? Enorme injustiça social. É como aquele bufê a quilo onde os abonados servem o prato como se não houvesse amanhã, enquanto o povo mal consegue pagar pelo arroz. Só que, nesse caso, o garçom que serve a fartura é o contribuinte.
A iniciativa do deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) para cortar supersalários chega como uma brisa de sanidade nesse deserto ético. O projeto, que já conquistou mais de 70 mil assinaturas, propõe economizar R$ 5 bilhões por ano. Um troco para quem está no topo, mas uma fortuna para quem sobrevive no Brasil real.
É claro que a resistência será grande. Afinal, quem vai querer abrir mão de adicionais que transformam a palavra “penduricalho” em eufemismo de luxo? Mas, enquanto isso, o brasileiro comum segue pagando a conta, enfrentando transporte precário, escolas sucateadas e hospitais lotados.
É hora de mudar. Não dá para aceitar que, em um país onde milhões vivem com o mínimo, alguns privilegiados vivam no máximo. A farra dos penduricalhos precisa acabar, e o teto salarial deve voltar a ser o que sempre prometeu ser: um limite e não um trampolim.
Enquanto isso, para nós, resta o consolo de rir para não chorar. Porque, se isso não fosse trágico, certamente seria cômico. Afinal, como dizia Millôr Fernandes, “livre pensar é só pensar”. Pois bem, livre pensar nos leva a uma certeza: o Brasil precisa parar de financiar banquetes para poucos e começar a servir justiça para todos.