Corumbá, Quarta, 21 de Maio de 2025
Gregório José

CONFIANÇA, FÉ, SOLIDÃO E A PROMESSA (AINDA NÃO CUMPRIDA) DA TECNOLOGIA

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Gregório José

A mais recente leva de dados do Gallup Center sobre a sociedade americana revela um país em busca de equilíbrio. Oscilando entre o progresso e a estagnação, entre a esperança e o ceticismo, os números contam histórias que vão muito além das estatísticas — eles expõem as fraturas e os avanços de uma nação em constante reconstrução.

Comecemos pela segurança, tema sempre sensível, especialmente para os negros americanos. Em 2024, 64% dos adultos negros nos Estados Unidos disseram confiar na polícia local — um avanço de nove pontos em relação ao dado de 2022. A boa notícia é o crescimento da confiança. A má, e estrutural, é que essa confiança ainda está quase 10 pontos abaixo da média nacional. A polícia, enquanto instituição, carrega uma herança histórica de violência, seletividade e racismo. Ainda que avanços possam ser comemorados, a distância persistente nos níveis de confiança deixa claro que as feridas do passado não foram completamente tratadas. Os 64% de hoje falam de uma esperança, mas também de uma vigilância: o olhar negro continua atento.

Em outra frente, a religiosidade americana vive seu próprio realinhamento. O grupo dos chamados “Nones” — aqueles sem afiliação religiosa — atingiu 22% da população, virtualmente empatado com os católicos (21%). A secularização não é novidade no Ocidente, mas a estabilização do número de não religiosos indica um novo normal. A fé, tão presente na identidade americana, agora divide espaço com o ceticismo, com o espiritual sem rótulo e com o vazio confessional. O país que já foi símbolo de fervor religioso experimenta, ao que tudo indica, sua fase de reflexão silenciosa.

Mas se há algo que não se cala é a solidão. Entre os jovens homens americanos, o sentimento de isolamento atinge níveis alarmantes: um em cada quatro relatou se sentir solitário durante boa parte do dia anterior. A taxa é 10 pontos maior que a média dos países da OCDE para essa faixa etária. Trata-se de uma epidemia emocional.

Essa desconexão também aparece no campo da tecnologia. A inteligência artificial, embora exaltada como promessa de revolução, ainda é pouco incorporada ao cotidiano dos trabalhadores. Dois terços acreditam que ela terá impacto positivo em seus empregos, mas apenas 11% a utilizam com frequência. Estamos, portanto, diante de um paradoxo: acredita-se no potencial transformador, mas falta ação concreta. A distância entre expectativa e realidade escancara um problema de comunicação e formação — e talvez, de confiança nas instituições que lideram essa transição tecnológica.

Um dado que parece estático, mas carrega implicações importantes: 62% dos americanos afirmam possuir ações. O número reflete uma estabilização pós-crise que devolve um certo otimismo à classe média investidora. Mas é preciso lembrar que esses 62% não representam uniformemente todos os estratos sociais e raciais do país. A recuperação do mercado não se traduziu necessariamente em equidade de oportunidades.

Ao olhar esse mosaico de dados, vemos um retrato de um país em transição — ou talvez, em tensão. Avanços importantes surgem em meio a feridas abertas. A confiança cresce, mas não se iguala. A fé se reorganiza, mas não desaparece. A solidão cresce onde deveria haver futuro. A tecnologia é celebrada, mas ainda pouco vivida. E a prosperidade, embora se recupere, continua desigual.

Os números não mentem — mas eles também não explicam tudo. Para isso, precisamos de empatia, memória e, acima de tudo, ação. O futuro americano depende de como esses dados serão interpretados. E, mais ainda, do que faremos com eles.

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