ENTRE ALGORÍTIMOS E ALFORRIA
Ah, que prodígio de obviedade travestido de revelação científica. A Organização Internacional do Trabalho, em parceria com um instituto polonês cujo nome mais parece senha de Wi-Fi de hotel soviético – NASK – concluiu que 1 em cada 4 empregos no mundo está, pasmem!, potencialmente exposto à inteligência artificial generativa. Um quarto do planeta laboral sob ameaça. A manchete já cheira a pânico de supermercado em véspera de feriado.
Calma. Respirem. Não é o Apocalipse do proletariado. É apenas a mais recente dança da moda com a musa do momento: a IA. O relatório se esforça, de forma tocante, para nos tranquilizar: os empregos não serão extintos, apenas "transformados". Ah, a semântica, esse bálsamo ideológico para encobrir a precarização com verniz de modernidade.
Mas vejamos o que isso realmente significa. A tal da inteligência artificial generativa – que nada mais é do que um papagaio muito bem treinado por bilionários em camisas pretas e ternos justos – agora ameaça funções administrativas, setores da mídia (oi, colegas!), desenvolvimento de software e, claro, finanças. Tudo que cheira a teclado e tédio.
E quem são os mais expostos? As mulheres, claro. Aquelas que, por ironia trágica, lutaram décadas para ocupar espaços administrativos, agora veem a porta giratória substituí-las por linhas de código que não tiram licença-maternidade nem exigem igualdade salarial. No fundo, é a velha história de sempre: o progresso tecnológico avança como um rolo compressor, e quem está mais vulnerável é o primeiro a ser atropelado.
Mas não nos iludamos. A IA não vai tomar o lugar do operário da construção civil, nem da enfermeira que cuida de pacientes com Alzheimer. Vai atingir, primeiro, quem faz parte do que o capitalismo chama de "trabalho substituível". E com isso, aprofunda a clivagem entre os que mandam e os que obedecem, entre os que escrevem o algoritmo e os que são escritos por ele.
Os pesquisadores, num arroubo de civilidade iluminista, pedem "diálogo social", "estratégias inclusivas", "transições justas". Eu, que não nasci ontem e vivi o suficiente para ver Collor de Mello ensinar economia na TV, sei bem o que isso significa: retórica para preencher relatórios e justificar verbas. Ninguém quer perder o lugar à mesa, mas o garçom já está com a conta na mão – e ela será cobrada em postos de trabalho.
A IA não é vilã nem messias. É uma ferramenta. Mas em mãos erradas – e estão quase sempre em mãos erradas – é um bisturi sem anestesia. Em vez de temer a máquina, deveríamos temer os donos da máquina. Esses, sim, sabem exatamente o que fazer com a tecnologia: cortar custos, aumentar lucros e terceirizar a responsabilidade humana para o próximo update.
Preparem-se. O futuro do trabalho será menos "trabalho" e mais "futuro". Um futuro frio, eficiente e impessoal. E se você está lendo isso achando que está seguro, que sua função é “irremovível” – olhe para o lado. Tem uma IA fazendo isso mais rápido, mais barato e sem café.
Se isso é evolução, chamem Darwin. Eu chamo Kafka.
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