O BRASIL QUE NÃO PODE MAIS ESPERAR
O Brasil amanheceu, mais uma vez, com um retrato de si mesmo estampado em números. Segundo os dados preliminares do Censo 2022, divulgados pelo IBGE, 14,4 milhões de brasileiros convivem com algum tipo de deficiência. A cifra representa 7,3% da população com dois anos ou mais. Números que não gritam — mas sussurram verdades profundas sobre quem somos e, principalmente, sobre quem ainda deixamos à margem.
O dado bruto é seco, mas fala alto: entre as deficiências, a visual é a mais comum, seguida da motora. A prevalência aumenta com a idade — enquanto apenas 2,2% das crianças entre 2 e 14 anos convivem com alguma deficiência, esse número sobe para 27,5% entre os brasileiros com 70 anos ou mais. Envelhecer, no Brasil, ainda é tornar-se invisível. E quando se é uma mulher com deficiência, essa invisibilidade é dupla: 8,4% delas estão nessa condição, contra 4,7% dos homens. A desigualdade tem gênero — e muitas vezes, não enxerga, não anda, não escuta, mas sente.
Sentem também os 2,9 milhões de brasileiros com deficiência que não sabem ler nem escrever. Uma taxa de analfabetismo de 21,3% entre essa população — quatro vezes maior que entre os que não têm deficiência. Se a educação é a chave, milhões continuam trancados do lado de fora. Apenas 7,4% das pessoas com deficiência completaram o ensino superior. Isso num país que tanto fala em meritocracia.
A matemática social não fecha: enquanto 63,1% dos brasileiros com deficiência não concluíram sequer o ensino fundamental, entre os demais essa fatia é quase a metade. Como exigir igualdade de condições se a largada já vem comprometida? Como pedir produtividade de quem mal teve oportunidade?
A deficiência, aqui, não está apenas nas estatísticas. Está na omissão. Está na calçada quebrada, na escola que não acolhe, na empresa que não contrata, no ônibus que não abaixa, na cidade que não escuta. Está, sobretudo, na ausência de políticas públicas robustas, contínuas e baseadas em evidência.
Os dados mostram ainda que 16% dos lares brasileiros abrigam pelo menos uma pessoa com deficiência. Isso não é exceção — é regra. E quando a exceção vira rotina, a negligência vira crueldade.
A boa notícia — se é que se pode chamar assim — é que os números agora existem. Foram contados, medidos, revelados. Cabe agora transformá-los em política. Porque país que se preze cuida de todos. E desenvolvimento sustentável que se queira real não deixa 14,4 milhões para trás.
Como diria o estilo do velho mestre: na equação da justiça social, a inclusão não é variável — é constante. E o Brasil precisa urgentemente resolver essa conta.
Veja Também
O CÉREBRO ESTÁ VIRANDO PURÊ DE PIXELS E TÁ TUDO BEM (OU QUASE)
OS "DONOS" DOS PARTIDOS POLÍTICOS / OS "DONOS" DAS SIGLAS PARTIDÁRIAS