A QUIDIDADE DA NAVEGAÇÃO CORUMBAENSE
É indispensável asseverar que o Rio Paraguai, (trecho) Corumbá a Porto Murtinho, no extremo sudoeste de Mato Grosso do Sul, foi a quididade dos grandes conflitos envolvendo portugueses, espanhóis e os povos originários, até o final da Guerra da Triplice Aliança (1864-1870). Ao percorrer seus 526 quilômetros, pelo caminho se encontram testemunhos destas disputas, como as fortificações, e uma comunidade que ainda mantém crenças e lendas, personificando heróis e celebrando o milagre da sobrevivência. Assim Porto Esperança por muitos anos foi o ponto final do tronco da NOB. Do Carandazal a Porto Esperança eram cerca de 38 km e quando chegava-se a estação, tomava-se o vapor para subir o Rio Paraguai, para chegar-se a Corumbá e posteriormente Cuiabá. No caso da Cidade Branca eram cerca de 79 quilômetros num tempo de percurso de 14 horas, hoje realizado em cerca de uma hora pela BR 262.
Nos idos de 1947 o barco que fazia essa ligação era o famoso Fernandes Vieira, uma canhoneira adaptada para o transporte de passageiros. Em 1952 quando foi aberta a linha Carandazal/Corumbá, para chegar a Porto Esperança passou a ter de se utilizar de outro trem, numa linha de 4 quilômetros que saia de Agente Inocêncio. Naquela época os navios chegavam até Porto Barranqueira na Argentina. É o que retrata a letra da música “Tempos da esperança” do indefectível Moacir Saturnino de Lacerda: “ O rio levando minhas lembranças para o mar / Algumas gotas sei que em chuvas voltarão / Para regar novos sonhos de criança / Fazer brotar novas canções no coração. / O Trem que chega traz notícia e alegria / Ao seu apito, o Porto afasta a solidão.”
Mas lembrar de Moacir Lacerda não faz sentido se não recordarmos seu irmão Chico Lacerda que observando a decadência e sucateamento da NOB, consubstanciando o abandono dos ribeirinhos daquela região pantaneira, o Poeta de Albuquerque, Chico Lacerda salpicou estes melancólicos versos: “A água veio e levou / Porto Esperança ficou / Sem esperança de amor. / A água veio e levou / As penas do papagaio / As histórias de Armandia / Levou na última cheia”.
Existia uma simbiose entre Porto Esperança e a NOB no que tange a uma convivência eficaz e harmônica com as cheias cíclicas do Pantanal, fato eternizado na música Ciranda Pantaneira que “a folha que a água leva, leva o bem e leva o mal”. Mormente, durante os meses de cheias, quando as singelas residências e palafitas de Porto Esperança ficavam parcialmente submersas, os moradores ribeirinhos se mudavam para os vagões cedidos pela NOB, e assim ficavam abrigados provisóriamente até que as águas baixassem ao leito natural do rio Paraguai. E se restabelecesse a ordem natural das coisas. O distrito da Manga, por sua vez foi importante porto de transbordo de gado. Guarda uma das relíquias dos tempos de apogeu de Corumbá e a chegada do telégrafo naqueles confins de 1900.
Estes detalhes, vieram a mente, pois recentemente encontrei o compositor Moacir Lacerda no lançamento do “Best Seller” Estrela do Ócio, livro de 142 páginas impregnado do lirismo encantador de Carmem Eugênio. Por derradeiro, Moacir Lacerda é uma enciclopédia ambulante do Pantanal e agora aliado a Mara Calvis, uma incansável educadora ambiental, autora de diversos livros, que lançam a quatro mãos no dia 26 do corrente, em Corumbá o “Vapor Fernandão” Navio Fernandes Vieira (Histórias e Memórias). “Fernando Vieira”, também é titulo de uma canção do GRUPO ACABA, integrante do álbum A Última Cheia,de 1984. Certamente “Vapor Fernandão”; é para ser livro de cabeceira. Imperdível.
*Articulista
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