Eleição de Luciene Carvalho quebra antigo tabu no ambiente literário
Poeta que vive em Cuiabá desde adolescência é a primeira negra a presidir uma academia de letras.

A partir do próximo dia 30, a literatura brasileira escreverá um dos capítulos mais importantes de sua história. Não-apenas por seu ineditismo, mas pela representação cultural, social e política simbolizada concretamente pela primeira mulher afrodescendente a dirigir uma academia de letras, desde que este colegiado existe em suas instâncias nacional e estaduais.
A poeta e escritora Luciene Carvalho, uma corumbaense radicada em Cuiabá desde a adolescência, vai presidir a Academia Mato-Grossense de Letras (AML/MT). Ela é protagonista de um feito singular. Até o sábado, 16, nenhuma escritora negra havia sido eleita para presidir a instituição. Em Mato Grosso, quem dirige a academia é uma mulher, Suely Batista, de ascendência européia.
Prima do também jornalista e escritor corumbaense Edson Moraes, titular da cadeira 31 da AML/MT, Luciene é uma das mais atuantes poetas, declamadoras e ativistas culturais do País. Gosta de ser citada como poeta universalista e periférica, dedicada à construção poética de tom humanista e inclusivo e aos desafios ambientais, políticos e sociais de seu tempo. Seus trabalhos têm repercussão nacional e internacional.
Segundo Edson Moraes, o papel que Luciene desempenha hoje é de extremo significado para o País. "Eu não vejo a obra e o viver da Luciene com o olhar fixado apenas na poesia ou no seu encanto. Eu vejo a cada leitura um espaço cosmopolizado, o universo e seu povoamento a partir das pessoas e dos seus sonhos, das decepções e das alegrias. E sempre, em cada olhar, vejo uma mulher simples, professora filha de professora, uma negra tentando colorir o mundo com uma aquarela de diversidades que se amam, que se respeitam, que se somam, que vivem de pão e justiça", define.
REFERÊNCIA - Autora de dezenas de livros e presença constante como autora ou referência temática para peças de teatro, documentários e ensaios, sua obra inspirou a produtora Luciana Curvo a realizar o audiovisual "Quem Tem Medo de Luciene Carvalho", em 2019. O documentário vem sendo exibido com frequência pela TV Brasil e em ambientes culturais e de ensino, como as escolas e universidades.
Colecionadora de vários prêmios, é referência para obras culturais. No ano passado, por exemplo, a convite do produtor teatral Gerald Thomas, ela participou da temporada teatral da peça "F.E.T.O. Estudos de Dorotéia Nua Descendo a Escada", em São Paulo. Inspirada em "Dorotéia", de Nelson Rodrigues, a peça tem Luciene entre suas inspirções e figuras centrais. De acordo com os críticos do espetáculo, "a obra da autora foi fundamental na construção do material desenvolvido por Gerald Thomas".
Entre seus 14 livros, destacam-se: "Dona", "Conta-Gotas, "Sumo da Lascívia", "Aquelarre ou o Livro de Madalena", "Porto", "Cururu e Siriri do Rio Abaixo", "Caderno de Caligrafia", "Teia", "Insânia" e "Ladra de Flores". Para Luciene, o sentido da poesia está no olhar da sensibilidade humana e no papel da cultura como instrumento de construção cidadã.
"Vivo de poesia 24 horas por 24 horas. É minha respiração", ressalta a poeta. Ela garante que a maior recompensa está no olhar de agradecimento e no carinho das pessoas que recebem seu trabalho, especialmente em espaços periféricos, como os bairros e as áreas ribeirinhas.
A presidenta da ALM/MT, Suely Batista, vai dar posse a Luciene com a consciência do dever cumprido. Para Luciene, a antecessora exerceu com dignidade e competência as atribuições do cargo. “Foi um grande feito. Em múltiplos sentidos, o que nos confere suporte para voos mais altos”. A sua diretoria tem Flávio Ferreira de vice-presidente e Cristina Campos, secretária. Agnaldo Silva é o tesoureiro. Para o Conselho Editorial foram eleitos Marli Walker, Elizabeth Madureira e Olga Castrillon Mendes. No Conselho Fiscal, Lorenzo Falcão, Marta Cocco e Eduardo Mahon.
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