Corumbá, Quarta, 25 de Junho de 2025
Meio Ambiente

Área queimada no Brasil em 2024 supera média histórica em 62%

A primeira edição do Relatório Anual do Fogo do MapBiomas mostra que quase metade de toda a área queimada no Brasil desde 1985 foi na última década.

Um quarto (24%) do território nacional, equivalente à soma das áreas do Pará e do Mato Grosso, queimou pelo menos uma vez entre 1985 e 2024. Nas últimas quatro décadas, 206 milhões de hectares foram afetados pelo fogo com intensidades diferentes em cada um dos seis biomas do País. Ao lado da Amazônia, que bateu recorde de incêndios florestais em 2024, e da Mata Atlântica, que teve a maior área afetada por fogo nas últimas quatro décadas, o Pantanal é destaque: teve 62% de seu território  queimado pelo menos uma vez no período mapeado pelo MapBiomas Fogo, que lança nesta terça-feira, 24 de junho, a Coleção 4 de mapas de cicatrizes de fogo do Brasil e a primeira edição do Relatório Anual do Fogo (RAF). Os dados também ressaltam a extensão da área queimada em 2024, quando 30 milhões de hectares foram afetados – uma área 62% acima da média histórica de 18,5 milhões de hectares por ano.

Os dados, obtidos a partir do mapeamento de cicatriz de fogo com imagens de satélite, traçam o mais completo retrato da ação do fogo em todo o território brasileiro e expõem alguns padrões da ocorrência das queimadas e dos incêndios. Além de apresentar a alta concentração do fogo em poucos meses do ano – o período de agosto a outubro responde por 72% da área queimada no Brasil, com um terço (33%) ocorrendo em setembro – o relatório aponta os biomas, estados, municípios e áreas protegidas com maior área queimada. No caso dos biomas, o relatório mostra ainda os que apresentaram maior recorrência do fogo. Em nível nacional, 64% da área afetada pelo fogo em todo o país queimou mais de uma vez entre 1985 e 2024. O Cerrado é o bioma com maior recorrência do fogo: 3,7 milhões de hectares queimaram mais de 16 vezes em 40 anos.

Outro dado do relatório é o tamanho das cicatrizes deixadas pelo fogo no território. Em média, entre 1985 e 2024, a maior proporção (27%) correspondia a áreas queimadas entre 10 e 250 hectares. Em 2024, porém, quase um terço (29%) da área total queimada foi em mega eventos de fogo com mais de 100 mil hectares afetados. Os dados também mostram que 43% de toda a área queimada no Brasil desde 1985 teve sua última ocorrência de fogo nos últimos 10 anos (2014 a 2023).

Essa primeira edição do RAF é uma ferramenta fundamental para apoiar políticas públicas e ações da gestão territorial do fogo. Ao identificar os locais e períodos mais críticos da ocorrência do fogo, o relatório permite apoiar o planejamento de medidas preventivas e direcionar de forma mais eficaz os esforços de combate aos incêndios”, destaca Ane Alencar, diretora de Ciências do IPAM e coordenadora do MapBiomas Fogo.

Entre 1985 e 2024, 69,5% da área queimada no Brasil ocorreu em vegetação nativa (514 milhões de hectares), porém no ano de 2024 esse percentual subiu para 72,7% (21,8 milhões de hectares). Houve mudança também no tipo de vegetação nativa mais afetada: historicamente, a maior área de vegetação nativa queimada era de formação savânica, com uma média anual de  6,3 milhões de hectares; em 2024, predominou a formação florestal, com 7,7 milhões de hectares – extensão 287% superior à  média histórica.

Os biomas com maior proporção de vegetação nativa afetada pelo fogo entre 1985 e 2024 foram Caatinga, Cerrado, Pampa e Pantanal, todos com mais de 80% da extensão afetada. Na Amazônia e Mata Atlântica, o fogo ocorreu principalmente em áreas antrópicas (mais de 55%). No caso de Amazônia, pastagens respondem por 53,2% da área queimada no período; na Mata Atlântica, 28,9% da extensão queimada eram de pastagem e 11,4% de agricultura.

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Pantanal lidera em áreas maiores que 100 mil hectares queimados

Entre os seis biomas brasileiros, o Pantanal foi o mais afetado pelo fogo nos últimos 40 anos, proporcionalmente. A quase totalidade (93%) dos incêndios ocorreu em vegetação nativa, especialmente em formações campestres e campos alagados (71%). As pastagens representaram 4% das áreas atingidas por fogo. O bioma mostra também uma grande recorrência do fogo: três em cada quatro hectares (72%) queimaram duas vezes ou mais nas últimas quatro décadas. As cicatrizes deixadas costumam ser mais extensas do que em outros biomas: é no Pantanal que se encontra a maior prevalência de extensões queimadas superiores a 100 mil hectares (19,6%).  Áreas com cicatrizes de queimada entre 500 e 10 mil hectares também se destacam (29,5%) e estão distribuídas por diferentes regiões do bioma. No ano passado, houve um aumento de 157% da área queimada no Pantanal na comparação com a média histórica do período avaliado pelo MapBiomas Fogo.

Os dados históricos mostram a dinâmica do fogo no Pantanal, que se relaciona com a presença da vegetação natural e com os períodos de seca. Em 2024, o bioma queimou na região do entorno do Rio Paraguai, região que passa por maiores períodos de seca desde a última grande cheia em 2018”, explica Eduardo Rosa, coordenador de mapeamento do bioma Pantanal no MapBiomas. No Pantanal, Corumbá foi o município com maior área queimada acumulada entre 1985 e 2024, com mais de 3,8 milhões de hectares.

Mata Atlântica bate recorde em 2024

No caso da Mata Atlântica, o ano de 2024 representou um recorde. Os 1,2 milhão de hectares afetados pelo fogo no ano passado, que ficaram 261% acima da média histórica para o bioma, de 338,4 mil hectares por ano, são a maior extensão de área queimada em um único ano desde 1985.  No ano passado, São Paulo concentrou 4 dos 10 municípios com maior proporção de área queimada no Brasil, todos no entorno do município de Ribeirão Preto, uma região predominantemente agrícola.

Entre 1985 e 2024, 8,3 milhões de hectares foram queimados pelo menos uma vez, o que corresponde a 7% do bioma nos últimos 40 anos. A maior parte (60%) das cicatrizes mapeadas ocorreu em área antrópica, sendo a pastagem a classe com maior ocorrência (3,9 milhões de hectares). Entre os tipos de cobertura natural, as formações campestres lideram, com 2,2 milhões de hectares queimados no período analisado. As áreas queimadas menores que 250 hectares são predominantes (80,7%). Quase três em cada quatro hectares afetados pelo fogo na Mata Atlântica (72%) entre 1985 e 2024 queimaram somente uma vez nos últimos 40 anos.

“As áreas naturais na Mata Atlântica são especialmente vulneráveis ao fogo, que não faz parte da dinâmica ecológica desse bioma. Quando ocorrem, os incêndios acabam trazendo grandes impactos aos escassos remanescentes florestais dentro do bioma. Além dos prejuízos ambientais — como a degradação dos serviços ecossistêmicos relacionados ao clima, à água e ao solo — são evidentes os danos econômicos e, principalmente, os para a saúde e qualidade de vida da população”, aponta Natalia Crusco, da equipe da Mata Atlântica do MapBiomas.

2024 marca recorde de área queimada na Amazônia

Em 2024, a Amazônia registrou a maior área queimada de toda a série histórica iniciada em 1985 e foi, de longe, o bioma que mais queimou no país. O bioma apresentou aproximadamente 15,6 milhões de hectares queimados, um valor 117% superior à sua média histórica. Essa área correspondeu a 52% de toda área nacional afetada pelo fogo em 2024, tornando a Amazônia como o principal epicentro do fogo no Brasil no ano passado.

Além do recorde em extensão, 2024 também marcou  uma mudança em termos qualitativos: pela primeira vez na série histórica, a vegetação florestal tornou-se a classe de cobertura e uso da terra mais afetada pelo fogo na Amazônia. Foram 6,7 milhões de hectares de florestas  afetados pelo fogo (equivalente a 43% da área queimada no bioma), superando os 5,2 milhões de hectares de pastagem queimados (33,7%). Historicamente, as pastagens sempre haviam sido a classe mais atingida pelo fogo no bioma.

O fogo não é um elemento natural da dinâmica ecológica das florestas amazônicas. As áreas queimadas que marcaram o bioma em 2024 são resultado da ação humana, especialmente em um cenário agravado por dois anos consecutivos de seca severa. A combinação entre vegetação altamente inflamável, baixa umidade e o uso do fogo  criou as condições perfeitas para a propagação do mesmo em larga escala, levando a um recorde histórico de área queimada na região.” afirma Felipe Martenexen, coordenador de mapeamento do bioma Amazônia do MapBiomas.

Amazônia e Cerrado concentram 86% da área queimada no Brasil

O Cerrado também se destaca pela extensão afetada pelo fogo. Juntos, Cerrado e Amazônia,  responderam por 86% da área queimada pelo menos uma vez no Brasil entre 1985 e 2024: foram 89,5 milhões de hectares no Cerrado e 87,5 milhões de hectares na Amazônia. Embora a área queimada nos dois biomas seja semelhante, há uma grande diferença em termos proporcionais, uma vez que a área total da Amazônia é quase o dobro do Cerrado. Por isso, na Amazônia, a área queimada pelo menos uma vez nos últimos 40 anos corresponde a 21% do bioma; no Cerrado, esse percentual é de 45%.

É também na Amazônia e no Cerrado que se encontram os três estados brasileiros líderes em área queimada: Mato Grosso, Pará e Maranhão. Juntos, eles concentram 47% da área queimada em todo o Brasil entre 1985 e 2024.  Entre os 15 municípios brasileiros que mais queimaram – e que, juntos, respondem por 10% de toda a área afetada pelo fogo no Brasil nos últimos 40 anos – sete estão no Cerrado e seis na Amazônia.

No Cerrado, a área queimada, de 10,6 milhões de hectares em 2024, equivale a 35% do total queimado no país no ano passado e representa um crescimento de 10% em relação à média histórica de 9,6 milhões de hectares por ano.

“Historicamente, o Cerrado evoluiu com a presença de fogo natural, geralmente provocado por raios durante o início da estação chuvosa. No entanto, o que temos observado é um aumento expressivo dos incêndios no período de seca, impulsionado principalmente por atividades humanas e agravado pelas mudanças climáticas. Um dado especialmente preocupante é o avanço do fogo sobre as formações florestais no Cerrado, que em 2024 atingiram a maior extensão queimada dos últimos sete anos — uma mudança na dinâmica do fogo que ameaça de forma crescente a biodiversidade e a resiliência desse bioma” comenta Vera Arruda pesquisadora do IPAM e coordenadora técnica do MapBiomas Fogo.

Caatinga e Pampa: queimadas abaixo da média em 2024

Na Caatinga, a extensão queimada, de 11,15 milhões de hectares queimados entre 1985 a 2024, representou 13% do bioma. Cerca de 38% da área queimada no bioma foi afetada pelo fogo mais de uma vez ao longo dos últimos 40 anos. A prevalência foi de áreas menores que 250 hectares (53%). As formações savânicas são o tipo de vegetação mais afetado pelo fogo (79%) na Caatinga, e representam 95% da vegetação nativa. Em 2024, houve uma redução da área queimada de 16% com  404 mil hectares queimados  a respeito da média histórica de 480 mil hectares.

“Apesar de o fogo não ser um elemento natural predominante na dinâmica ecológica da Caatinga, sua recorrência em determinadas regiões chama a atenção. As formações savânicas têm sido as mais impactadas, o que reforça a importância do monitoramento. A queda observada em 2024, com valores abaixo da média nos últimos 10 anos da série histórica, é positiva, mas não garante uma tendência de redução a longo prazo.”  aponta Soltan Galano da equipe Caatinga do MapBiomas. 

O Pampa, por sua vez, tem a menor área queimada – tanto em extensão (495 mil hectares), como proporcionalmente em relação ao total do bioma (3%). Apesar de um leve aumento em relação a 2023, os valores permaneceram abaixo da média anual, de 15,3 mil hectares. O ano com maior área queimada dentro do período analisado foi 2022, com 36,2 mil hectares.

As áreas queimadas no Pampa são predominantemente pequenas, com cerca de 93% das cicatrizes de fogo atingindo menos de 250 hectares. A maior parte dos incêndios (95%) ocorre em áreas naturais, predominando nas formações campestres. A silvicultura foi o tipo de uso antrópico com maior extensão de área queimada (19,6 mil hectares).

“A proporção de área queimada no Pampa costuma ser baixa. Em 2024 os valores ficaram abaixo da média histórica, especialmente por conta  do fenômeno El Niño. No sul do Brasil,  ele se manifesta com volumes expressivos de chuva, como as observadas no primeiro semestre — que incluíram  as enchentes de maio. Embora o fogo ocorra em menor escala no bioma, muitas áreas naturais estão sujeitas a incêndios catastróficos nos períodos mais secos, como as áreas pantanosas e os campos com grande acúmulo de biomassa, que resultam em danos ambientais expressivos”, afirma Eduardo Vélez, coordenador de mapeamento do bioma Pampa do MapBiomas.

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